sexta-feira, 29 de junho de 2012

A tragicomédia da comunicação entre as pessoas



Cena de O Ano Passado Em Marieband, de Alain Resnais

  Em certa altura da peça Seis Personagens À Procura De Um Autor, de Luigi Pirandello, lê-se essa fala do Pai:

  Mas, se todo o mal está nisto!... Nas palavras. Todos trazemos dentro de nós um mundo de coisas: cada qual tem o seu mundo de coisas! E como podemos entender-nos, senhor, se nas palavras que digo ponho o sentido e o valor das coisas como são dentro de mim, enquanto quem as ouve lhes dá, inevitavelmente, o sentido e o valor que elas têm para ele, no mundo que traz consigo? Pensamos entender-nos... e jamais nos entendemos!

  Cito também esse adágio que é para mim, dentre tantas frases que já li, uma das mais profundas reflexões sobre o ser humano:

  Se nos fosse dado prever todo o mal que pode nascer do bem que pensamos fazer!...

  De fato, creio ser a comunicação entre as pessoas (inevitável, pois o ser humano não pode viver sozinho) talvez nosso problema maior. Essa Babel que existe em nosso ato de comunicar, mesmo que numa igual língua ou dialeto, responde por muitos de nossos dramas e também de nossas comédias comezinhas. 
  Falamos a mesma língua, mas não nós entendemos!
 Vejamos: o leitor se recorda de alguma conversa que tenha tido com alguém que, subitamente, ofendeu-se sem que para isso houvesse motivo (segundo seu ponto de vista...)? A título de ilustração, recentemente entabulei uma conversa via e-mail com um sujeito interessante e poeta de envergadura. A identificação foi imediata. Trocamos uns três e-mails cordiais e efusivos. Mas súbito, eis que o camarada rompe silenciosamente o contato após ler meu último e-mail e eu fico a rastrear o que o teria o ofendido no que disse... confesso, foi um verdadeiro exercício de hermenêutica obscura.
 Mas saindo de minhas mesquinhas misérias, a verdade é que em nossas relações a comunicação, que deveria nos unir, produz o efeito contrário; e como Pirandello nos ensina, isso é fruto dos universos particulares que cultivamos, de nossa mundividência e cultura singulares, e acentua-se ainda mais nesse tempo de egos suscetíveis e melindres descabidos. Estamos presos em nossas questões e deixamos de exercitar aquele dom de "desencarnar" de nossos corpos e nos por no lugar do outro. E se isso é verdade no que toca à amizade e demais relações cordiais, é tanto mais quando se fala em relações amorosas. Não foi por tal motivo que Drummond escreveu:

  Os amantes se amam cruelmente
  E com se amarem tanto não se vêem.
  Um se beija no outro, refletido. 
  Dois amantes que são? Dois inimigos.

  O que seria esse "se beijar no outro, refletido"? Drummond não estaria nos atirando à cara, sarcasticamente (como aliás é de seus feitio), nossa incapacidade de aceitar que uma relação é um choque violento de visões de mundo e culturas? E a linguagem com a qual essa relação é construída? É a linguagem do consenso, do mútuo entendimento, ou é a polissemia dos sentimentos confusos, dos egos em luta?
  Na linguística se fala dos "universais" linguísticos: elementos que se fazem presentes na língua humana, seja em qualquer cultura (o substantivo, por exemplo). A questão é nós, pequenos seres humanos, descobrirmos os "universais sentimentais" ou "reflexões universais", dando às palavras como romance ou verdade um sentido comum, ao menos para podermos realmente conviver.
  Logicamente que o que nos enriquece justamente é o fato de pensarmos e nos expressarmos de forma diferente, mas a cada dia constato que aí também reside o motivo de nossa perpétua distância.
   

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