terça-feira, 21 de agosto de 2012

Poema


As lágrimas de sangue insurgirão
(Vidas bastardas de uma semi-vida),
E na pena da face ressequida
Carpem sonhos que se esvaem ao chão.

Meros sonhos, e sonhos sonhos são,
Mas na ígnea queixa à face despedida
Grita triste a essência íntima contida
Que homens não sabem... jamais saberão.

Elegia vazia da existência;
Há um punhal por trás de idealizações,
Vida pulsante bem além da aparência.

Entre maiores, jazem ilusões
E a seca face rubra, em desistência,
Caminha co'os homens, só, entre milhões...

(mais Aqui. Direitos reservados.)

domingo, 19 de agosto de 2012

"Prosa Poética"

  Recentemente li um artigo (encontrável aqui ) que trata sobre o advento da prosa poética (ou o que assim se denomina hoje em dia) na literatura contemporânea. O artigo me fez refletir não sobre a prática de novos escritores (infelizmente o autor não menciona quais o fazem), mas os critérios de se tachar um produto literário de prosa ou poesia, ou hibridamente prosa poética.
  Seria interessante dissecar todo o artigo, ponto a ponto, para seguir as linhas reflexivas do autor Alex, mas me parece que assertivas como "Em poesia os critérios objetivos não existem" ou "poesia é difícil, pelo menos aos que a tentam seriamente, compreendem que frases empilhadas, desconexas e aleatórias, mais que formar um poema, constroem um engodo" não carregam em si grandes explicações. O ponto de maior interesse, e mais polêmico, vem do 6º parágrafo. Aliás, se quiséssemos resumir todo o artigo, esse parágrafo  se prestaria eficazmente à tarefa.
  Nele podemos observar uma espécie de eugenia não-hierárquica dos gêneros (que como o autor acaba por admitir — e parece que à revelia de seu gosto — dissolveu-se junto com critérios "no mundo pós-moderno"). Sim, o fato parece ser lamentado por ele. Essa mistura de gêneros parace resultar apenas em processos improdutivos, cujo principal fim é o de produzir "prosa ruim ou poesia muito ruim". Em suma: prosa poética é um rótulo para encobrir literatura claudicante.
  O maior problema advém do fato de que os critérios estabelecidos por Alex são antes de natureza estética que de "científica", concebendo "estética" aqui como apreciação do leitor, e "científica" como constatação de atributos inerentes de um elemento. 
  Antes de abordar o assunto, convém definir os termos: o que é prosa e o que é poesia? Diante de tais perguntas, o analista mal pode conter sua hesitação. Qualquer definição de poesia claudica por força da natureza do próprio elemento e de uma simples visão diacrônica sobre ele na cultura de vários povos. A prosa também não fica atrás, embora seja "mais simples" (referência ao artigo de Alex). O terreno literário é o terreno das incertezas, e as noções aristotélicas viraram simples parâmetros para entender o que se fez de literário em seu tempo, além de paradigmas destinados a serem superados pelos artistas vindouros. Desde o advento do Romantismo já não é possível mais sustentar a pureza dos gêneros, e essa problemática fica mais evidente quando nos aproximamos de uma definição puramente objetiva (mas certamente não conclusiva, apenas experimental) do que é "poético" e do que é "prosístico".
  Acentuemos certas características do que é poesia: composição que se pauta em versos (ou não), dotados estes de métrica (ou não), rima (ou não) e musicalidade (novamente não, em alguns exemplares concretistas) ; manifesta-se em registros líricos (mas não apenas) com vistas a observar o Eu interior do poeta, do seu semelhante ou o universo que o cerca (além de poder se debruçar em seu próprio "fazer"). O nível sintagmático não é definitivo em sua leitura, e nela podemos encontrar tanto trechos argumentativos como descritivos.
  A prosa: composição que se pauta na concatenação de períodos, orações, frases ou parágrafos onde os verbos são recorrentes (ou não: vide Circuito Fechado, de Ricardo Ramos) para a criação de um mundo ficcional.
  Usemos também da semiótica, embora sem a perícia própria dos pensadores desse campo, para abordar a questão.
  Tanto a prosa quanto a poesia tem grande carga de símbolos. A ordem em que o artista dispõe os elementos na oração (ou frase) podem resguardar significações tão amplas quanto as de um verso. Entretanto, a prosa tende (em minha leitura) a se manifestar preponderantemente na instância da terceiridade, onde a concatenação de ideias cria um fluxo de significados. A poesia, embora se manifeste na instância da primeiridade (mais propriamente o qualissigno), também resguarda, em algumas obras, grande carga de terceiridade (penso nos versos de Caso do Vestido, ou mesmo em alguns trechos de poemas épicos e canções de gesta). Na prosa (como no artigo as reminiscências a Joyce e Rosa fazem bem em lembrar) as fronteiras entre oração e verso se dissolvem. As ruminações intrincadas de Stephen Dedalus no primeiro arco de Ulisses não são mero fluxo de consciência — tentativa de materializar os processos psíquicos de um ser: são também poesia.
   Agiria bem um artista, com vistas a respeitar os preceitos aristotélicos, a evitar certos procedimentos próprios da poesia, se escreve prosa? Penso que não. Respeitar velhos paradigmas não viabiliza novas formas. É preciso lembrar que a poesia passou por metamorfoses, afastando-se do acompanhamento musical que a caracterizava. Numa visão ainda diacrônica, em certo ponto da história (é preciso lembrar que ainda no Trovadorismo a "poesia" era essencialmente oral), prosa e poesia passaram a compartilhar de certos atributos: a poesia também era composta para ser "vista". Sem tal metamorfose, nunca haveria o advento do poema concreto. O tópico do argumento desse parágrafo é que as mudanças são constantes no terreno literário; não seria a "prosa poética" o resultante dessas mudanças?
  A título de ilustrar minha posição, reproduzo abaixo um trecho do conto de Wítalo Lopes Moreira, denominado O Rapaz e a Velha:

  "Não conte que com isto conto. Tudo é matéria nesses chão. E quem há que não tem a sua prosa? A vida é mote, meu senhor. E como diria o sábio ancião: 'Então glosa!'.
  Não me fiz rogado, glosei. E aí vai meu bocado:
  Lá por meio desses mato, escondido atrás do morro - só mato e morro - é que morava senhor novo, marrudo, troncudo e calado. Vivia lá no seu pedaço quadrado de terra, tinha casa de barro amassado, teiado de palha, e, credite que sim, uma velha.
  Er'os dois só nesta vida: sofrida a danada na raia e o maldito da carpina. Cada qua'o fado exalava: a velha: fumaça de lenha do fogão estorricado - com aroma de feijão. O rapaz: suor azedo de mato com folha de laranjeira.
  Mal eu não visse naquele vivêsse todo, mas contece que num disse que... direi tardamente.
  Cuspo já, não somente, que os dois era parente. Se filh'ou mãe, tia, sobrinho, neto ou avó? Lhufas! E nem cabe cá fuxiquice. Cuidemu'apenas do caso. Se acaso não é de descaso...

  No trecho acima estamos diante sem dúvida de um texto em prosa: predominância da narrativa alternada entre comentários do narrador e descrição, orações que se relacionam logicamente, etc. No entanto, temos também elementos próprios da poesia: rimas internas (deveríamos chamar de "ecos"?) que se unem ao ritmo frasal — recurso que os manuais de boa escrita e gramáticas prescritivas deplorariam; relações lúdicas entre palavras que incluem uma semântica movediça ('só mato e morro", "fado", "a vida é mote, meu senhor") e polissemia.
  A despeito da evidente influência rosiana, cabe perguntar: o hibridismo de formas produziu aqui uma "prosa ou poesia ruim"? Não nesse caso, se o leitor me permiti opinar. O autor do trecho mergulha sem hesitações nos recursos rítmicos e sonoros próprios da poesia. Sempre considerei estéril o culto ao ritmo na prosa. Por força de seguir as cadências que o autor impõe, dispersamo-nos do conteúdo ficcional bem como das relações lógicas das orações, porém aqui o recurso se justifica plenamente pela relação da forma (ritmo da prosa) com o conteúdo (ritmo oral inerente à fala do interiorano).

  Como já mencionei neste post, o terreno literário é o das mudanças constantes, e não por força unicamente de vanguardas. Todo grande artista reinventa as fórmulas com as quais trabalha. A distinção a ser criada então é a de quem opera as mudanças de forma funcional, sem alardear "uma erudição que não possui", ou tampouco se entregando à exercícios estéreis, mas buscando alcançar o nível de precisão mais alto com a lente que optou por utilizar, mesmo que está mescle diferentes graus.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O poeta do gueto


(foto: divulgação)

Nas cidades, subúrbios, ruas e becos
O Poeta do Gueto encontra matéria bruta para sua poesia
O Poeta do Gueto caminha normalmente dissimulando sua errante poesia
E cada esquina uma parada diferente
Os bares, as casas, as favelas, tudo sussurra o seu nome
O Poeta do Gueto senta em qualquer sarjeta de qualquer lugar
E observa...
Nas crianças
Nos velhos, jovens, fábricas, carros, concreto...
Em tudo ele escuta uma sinfonia uniforme e dissonante
E, como Orfeu, ele sabe que seu trabalho é dar-lhe Ordem, Forma
Porque apesar de uniforme, é a sinfonia do caos
Nos garotos sussurrando, incógnitos
Nos bares e seus pândegos
Nas janelas, os choros sentidos
Nos mendigos entoando pedidos
Nos vapores cinzas adjacentes
Em tudo o Poeta do Gueto encontra inspiração
Sua musa na esquina ou dentro das quatro paredes da libido
Sua pena está em seus olhos
E o papel já não dá mais...
O Poeta do Gueto em seu corpo de dezoito segue essa sua epopéia
E continuará a ser tentado pela sinfonia
Que já o acolheu na escala melódica.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A (des)comunicação pela internet

  O advento da internet (e o acesso generalizado mediante banda larga) criou uma nova modalidade de comunicação mediada, e consequentemente uma nova cultura. Esse tipo de comunicação não é exclusividade da internet: muito antes, o telefone já se interpunha entre locutor e interlocutor. Mas, frise-se, nunca da maneira que a internet engendraria.
  Em tempos passados, o telefone era usado com frequência, mas não elidia o contato direto, físico e visual, com a pessoa. Isso já não ocorre com a internet. Com o surgimento de vários suportes de relacionamento on line, tais como messenger, orkut, chats de bate-papo e, mais em voga ultimamente, o Facebook, as pessoas pararam de se encontrar, e de usufruir dos benefícios que essa modalidade de comunicação tem a oferecer.
  Por um lado, isso poderia gerar um otimismo para aqueles que enxergam nos tempos atuais uma relação escassa com a língua escrita. Afinal, já que o brasileiro em geral não tem muita estima pela leitura, a internet propiciaria ao menos um contato e interação maior com essa leitura. No entanto, o que se observa é que nossa costumeira frivolidade já foi assimilada pelo mundo seminal da web.
  Exemplos não faltam: no orkut e Facebook proliferam usuários cuja principal preocupação é a de ostentar sua gama extremamente extensa de amizades e relações sociais. As fotos que postam dos lugares mais exóticos e badalados revelam uma necessidade de se expor, como a dizer que sua vida não está tomada pela anemia existencial que grassa na da maioria das pessoas e (por que não?) na de seus seguidores. Há toda uma superficialidade nisso, uma vez que muitas vezes uma pessoa assim tão relacionada mal tem contato com essas mesmas pessoas de seu círculo e, quando esse contato ocorre, a comunicação é rasteira, sem qualquer relevância ou profundidade.
  O blog é outro veículo (ou gênero textual?) que está saturado dessa mesma frivolidade. Pela blogosfera dissemina-se a prática de comunicação pelo interesse: blogueiros acessam blogs alheios comentando elogiosamente os posts para, ato contínuo, pedirem para que o autor os visite em sua página. Isso sem falar que o diálogo inexiste, ou seja: o autor do post não se dá o trabalho de debater com seu visitante eventualmente consistente as ideias que este acrescenta ao texto. Das duas uma: quando o visitante não é superficial, o autor do blog é, interessado apenas em audiência para seu veículo de monólogo narcisista.
  Em todos esses veículos, inclusive, o diálogo (ou texto) que se estende muito não é visto com bons olhos. O leitor hodierno é avesso a uma leitura mais profunda que exige mais, um argumento que se alonga em prol da plenitude. Daí que a internet não auxilia nos índices de leitura relevante, embora possa aumentar sim o letramento do seu usuário, no sentido de expô-lo a um maior número de gêneros textuais. Contradição? Não vejo dessa forma. O leitor pode muito bem discernir uma receita de um tweet, mas isso não o capacita a ler um conto ou uma poesia, assimilando suas mensagens essenciais sem as quais a vida sempre será mais pobre.
  O que o futuro da comunicação mediada reserva às relações humanas? Será possível que o contato com o outro seja totalmente elidido, em benefício do que se processa on line? O leitor futuro estará fadado a incapacidade e compreensão profunda do que lê? A tendência da comunicação mediada desumanizará progressivamente o ser humano?

terça-feira, 17 de julho de 2012

A sacola




Folhas decaídas, a vida ao marrom abatido,
Beleza, renascida a fotossíntese...
Carícia do vento e o afago das coisas
Que nunca foram, em olhos anistiados.

No beco adiante do serviço, à tarde
Lembrar... eu tenho que lembrar...

A sacola no beco, dançando comigo
Uma valsa no silêncio de incontida existência
Um doce sabor de melodia entardecida...
Essa sacola, a dançar comigo...

Brevemente a nota se acentua
A sacola do hipermercado traceja, ascendente
A encantadora expectativa, o ápice da melodia
O paroxismo violento da vida...
Desaba.

A sacola segue, telúrica, entre as folhas
A ritmia insurge no bairro vazio
Ao longe carros passam, sempre passarão
No marrom agoniza o sol do feriado
Tecido, entre nós, o fio do cotidiano...

Em meio as pobres casas, o onipresente asfalto e os postes sentinelas
Eu, o sol, o vento, as folhas...
Eles concretos, nós infimamente concretos
Mas passaremos
Como os carros
As nuvens
Lembrar... eu preciso lembrar...

Porém a sacola do hipermercado, no beco, entre as folhas
Valsa, nem rebelde, nem passiva
Valsa perante meus olhos tão inválidos
E me fará lembrar...

Ah! Às vezes também sinto...
Mundo que vela a vida por trás das coisas
Toda essa beleza-algoz que me sufoca
E coisas que não vi, a ameaçar o fio tão rijamente tecido
Como não ameaçamos;
Às vezes... às vezes...

Como essa sacola cortejando as folhas
Nessa valsa de notas ascendentes,
A tracejar no ar a graciosa melodia do silêncio
E no silêncio, telúrica, com a vida em seu interior
Suavemente
Cai.

        Direitos reservado.

domingo, 15 de julho de 2012

Tiririca à frente de Drummond...



  Nos dias de hoje, levar tudo à sério é perigoso. Faz com que uma mente sã surte de vez. Sei que nem deveria levar em conta, mas ontem vi algo que realmente não dá para ignorar.
  A emissora SBT (que prima pelo esforço de não levar nada à sério, nem mesmo a sua grade) vinculou um resultado de pesquisa nacional sobre quem seria o maior brasileiro de todos os tempos. Não havia critério: a questão era saber pelos gostos do telespectador em geral quem eles escolhiam para ocupar tal posto.
  À princípio, observando o estado de coisas em que nosso mundo está mergulhado, era de se surpreender que um poeta como Carlos Drummond de Andrade fosse sequer lembrado. Ele foi lembrado. Mas, para nossa surpresa, Tiririca estava à frente dele no tal ranking: 48º contra 52º. Deus do céu!
  O leitor então me questiona: "e você perde seu tempo assistindo isso? Leva em consideração?". Mas por que não o faria? Aquela pesquisa era aberta à opinião pública. Qualquer que tivesse um computador poderia lá entrar e deixar seu voto. Frise-se: não foi algo condicionado pela emissora. Realmente o povo considera o Tiririca maior brasileiro que Drummond!
  Essa pesquisa revela o zeitgeist do pensamento nacional moderno. Para quem não conhece essa palavra de origem alemã, seria algo como o "espírito da época", o estado intelectual e cultural de um povo num determinado tempo e lugar. É por isso que não são de todo desprezíveis tais pesquisas de opinião. Elas nos ajudam a entender porque o Brasil está nessa paralisia mental que outrora o escritor James Joyce enxergou em seus contemporâneos de Dublim.
   Disse mais acima que tal pesquisa surpreende a todos nós. Surpreenderia a Drummond? É claro que não! Provavelmente ele se surpreenderia do fato de alguém lembrar dele, com um sorriso sarcástico no semblante. Drummond conhecia o país no qual habitava, e isso condicionou sua visão nada animadora das coisas. O leitor duvida dessa presciência?
  Pois vejam com seus olhos:

  Legado

  Que lembrança darei ao país que me deu
  Tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
  Na noite do sem fim, breve o tempo esqueceu
  Minha incerta medalha, e a meu nome se ri.

  E mereço esperar mais do que os outros, eu?
  Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
  Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
  A vagar, taciturno, entre o talvez e o se.

  Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
  Uma voz matinal palpitando na bruma
  E que arranque de alguém seu mais secreto espinho.

  De tudo quanto foi meu passo caprichoso
  Na vida, restará, pois o resto se esfuma,
  Uma pedra que havia em meio do caminho.

  Os itálicos do texto são meus, não do autor. O leitor me perdoe essa minha peraltice...


sábado, 14 de julho de 2012

Para quando tudo ao redor parecer não fazer sentido...



Ó meu eu! Ó vida!


Ó meu eu! Ó vida! Das questões que sobre essas são recorrentes,
Dos trens infinitos dos que não têm fé, das cidades cheias de tolos,
Ó eu mesmo para sempre censurando a mim mesmo (pois quem é mas tolo do que eu e quem é mais sem fé?                                                                                                                                                         
De olhos que em vão suplicam pela luz, do meio dos objetos, das lutas sempre renovadas,
Dos pobres resultados de tudo, das laboriosas e sórdidas multidões que vejo em minha volta,
Dos vazios e inúteis anos dos demais, sendo que também faço parte dos demais,
A questão, ó meu eu, tão triste, recorrente - O que há de bom em meio a tudo isso? O meu eu, ó vida?

Resposta     

Que estás aqui - que a vida existe e a identidade,
Que a poderosa peça continua e tu podes contribuir com um verso.
Walt Whitman (tradução de Luciano Alves Meira)   

O me! O life!

Oh me! Oh life! of the questions of these recurring,
Of the endless trains of the faithless, of cities fill’d with the foolish,
Of myself forever reproaching myself, (for who more foolish than I, and who more faithless?)
Of eyes that vainly crave the light, of the objects mean, of the struggle ever renew’d,
Of the poor results of all, of the plodding and sordid crowds I see around me,
Of the empty and useless years of the rest, with the rest me intertwined,
The question, O me! so sad, recurring—What good amid these, O me, O life?

Answer.

That you are here—that life exists and identity,
That the powerful play goes on, and you may contribute a verse.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Poema escrito na palma da mão


Assumir a existência...
Calando, nós vivemos
E hesitamos
Aqui, não posso traduzir o agora
A palma de minha mão é o mundo.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Reflexões sobre A Moreninha




Nessas férias escolares (as quais me dizem respeito particularmente, uma vez que leciono no estado), decidi por minhas leituras em dia. Mais importante que isso: decidi escrever pequenas notas dos livros que planejava ler, projeto que já havia determinado sem contudo  haver cumprido. E para minha primeira leitura, tive que me livrar de um velho cacoete: o de ler apenas livros literários de envergadura.
  É vergonhoso admitir, mas protelei muito ler livros cujo conhecimento era obrigação. Durante muito tempo, li apenas livros que me acrescentavam algo enquanto escritor e esteta. Ignorei as leituras obrigatórios de nossa literatura.
  Eis então que empreendo a primeira leitura: A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo.
  Primeiramente, uma constatação: o livro não era exatamente o que eu pensava. Já tarimbado pela experiência do Amor de Perdição, esperava um livro lacrimoso e dramático. Qual não foi minha surpresa quando dei, logo de cara, com uma narrativa burlesca sobre a vida de estudantes de medicina? Estudantes estes que, além de troçarem uns com os outros, propõem-se uma aposta à respeito do mais inconstante e pretensamente leviano deles (e o herói da estória), o estudante Augusto: se ele cair de amores por uma das garotas que habitam a Ilha de..., lar da família de seu amigo Filipe,  terá que escrever um romance celebrando o fato.
  Não vou me deter muito na estória, mas apenas em minhas impressões. Resumos são acessíveis: basta um clique no google (termo já muito conhecido por nossos estudantes atuais). O que cabe são as impressões, e as tive, tanto positivas quanto negativas.
  A Moreninha é um livro previsível. Logo de cara, sabemos que Augusto perderá a aposta (a escola literária já nos concede esta certeza); a certeza inclusive aumenta quando conhecemos sua história juvenil, contada à sua anfitriã, Dª Ana, sobre um elo sentimental estabelecido com uma garota. A vida trata de separar esses dois amantes, para no fim uni-los na revelação final de que a moreninha é sua amada perdida. E nessa toada, percebemos que estamos lendo um livro leve, mais destinado a entreter que a refletir.
  O livro se constitui de personagens um tanto rasos no aspecto psicológico. Mesmo o personagem principal se recente de algumas contradições, pois é difícil aliar sua superficialidade atual de "amante desiludido" com a constância e amor pregressos. Carolina, a moreninha do título, é a que mais tem contornos definidos, no entanto os maneirismos do Romantismo (do pobre romantismo, frise-se) acabam por prejudicá-la, pois aceitamos que ela queira libertar seu amado da frivolidade agindo como age com ele, mas não entendemos por que retarda tanto a revelação final. Certamente o faz para proporcionar ao leitor de folhetins aquela emoção calculada, clichê que persiste ainda hoje nas "modernas" telenovelas.
  O que mantêm o interesse do livro é seu leve acento cômico (que por vezes resvala em mal gosto). Sorrimos diante das figuras dos "velhos maçantes", sempre tripudiados quando postos em comparação com os belos e românticos jovens; do alemão beberão; da criadagem ladina ou simplória (observe-se os "crioulos" que aparecem no texto, e como são tratados). Menção honrosa seja feita aos diálogos espirituosos, às cantadas elaboradas, à linguagem que oscila sempre entre o elegante e o popular da época. Pena que todas essas qualidades estejam à serviço de um veículo pobre em suas intenções, estas não muito diferentes de novelas atuais que abundam na televisão. É difícil convencer o aluno de que a literatura lhe revela uma realidade que não enxergaria sem ela, usando como material de apoio um romance como A Moreninha.
  Aprendi com meu mestre literário Proust que a literatura exerce a função de um instrumento óptico que amplia aquilo que mal enxergaríamos em nós (e no mundo) sem ela. Esse adágio proustiano me ajuda inclusive a separar a grande da pequena literatura, uma vez que ela é produzida para incomodar, tirar o leitor de sua cômoda perspectiva.
  É essa bússola do grande escritor francês que me faz constatar que A Moreninha, um simples romance de costumes, faz parte da pequena literatura, mais de valor histórico que estético, ainda sim uma leitura interessante e agradável, justamente por seus atributos.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Um singelo poema

  Uma reminiscência proustiana a quem, nesse limbo infinito e diluidor da web, procura algum verso:

Eu, sempre ao passar por esta calçada
Um pouco antes de casa, na avenida,
Começo a saltitar, vou em corrida
Com uma sensação desnorteada.

"Meu Deus! Que é isso?", penso, "Não há nada
Me apressando ou qualquer coisa esquecida",
E a alegria captada e obscurecida
Mais de mim toma conta, e faz morada.

Mas sei... todos os dias neste trecho
Volto a ser o menino que antes fui,
Que aqui deixou seu mundo, e ora o meu deixo.

Eu sei... é sua vida que em mim flui,
Como a minha, ó pequeno, futuro eixo
De outra vida que aqui já se conclui.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Juventudes



  A juventude nunca será um tópico esgotado para qualquer discussão. Uma observação, ainda que rasteira, permitirá concluir que, não importa a época, a juventude sempre foi tida como um problema. Tome-se os anos 50 à 70, por exemplo: o nascente estilo do rock foi o porta voz de uma geração que queria se fazer ouvir, seja nos dramas da instituição burguesa por excelência - a família - seja em âmbitos maiores, como as guerras da Coréia e, principalmente, Vietnã. Interessante é observar a reação das "pessoas grandes" daquela época vendo seus filhos crescendo ao som frenético de uma guitarra, conhecendo seus corpos em festivais históricos onde a repressão e o moralismo eram simples valores decadentes. Esses pais conclamavam a opinião pública contra essa "juventude transviada", perplexos ante uma geração que germinava de si mesma, não remetendo a nada jamais visto.
  Não é estranho esses mesmos jovens, hoje então pais de família, observarem, perplexos, uma geração que nada resguarda daquele ímpeto revolucionário e artístico, libertando-se em bailes e pancadões de toda a espécie? 
  É estranho: não há nada nessa geração atual que remeta ao ativismo do emblemático ano de 68, ou mesmo dos "caras pintadas" (não se discuta aqui a manipulação midiática por trás do movimento); o fato é que, tendo ou não uma opinião ou formação política autônoma, aqueles jovens estavam preocupados com algo além deles mesmos. Seus passos não se impulsionavam para bailes hedonistas, e a história se encarregaria de um lugar para eles em seus registros.
  Entretanto, muitos foram os que apontaram o hedonismo atual como simples resultante das "duvidosas conquistas" daqueles movimentos passados (Sarkozy mesmo já se manifestou negativamente à respeito de 68); de fato, ao menos no que toca à opinião desse blogueiro, mobilizações coletivas sempre serão incógnitas. Há uma ideia coletiva em torno da qual muitas mentes gravitam. Mas quem pode dizer o que cada uma delas espera por trás dessa ideia? O que a "revolução" renderá a mim em especial? E, uma vez que ela se dê, quais serão os resultantes à longo prazo dessa "revolução"? Será que as rodas de pagode e os bailes funk apolíticos já estavam contidos no Woodstock ou nas passeatas da França? 
   Enfim, a juventude atual segue um caminho próprio cujo fim levanta muitas dúvidas. É possível que nossas mentes envelhecidas e antiquadas (ou melhor, que "estão por fora") não enxerguem com nitidez a grande revolução que os jovens de hoje estão gestando, com seus ipods e páginas online de relações mediadas. Talvez, nessa mobilização coletiva em função de fenômenos tecnológicos e busca incessante pelo prazer, um  Sentido maior nascerá, guiando os rumos de nosso país, fomentando uma nova cultura seminal capaz de suplantar e muito os velhos livros e canções chatinhas que não estão na moda...
  Não sei quanto ao leitor, mas minhas pernas já estão velhas demais para seguir essa juvenil comitiva. E, diga-se de passagem, tenho 29 anos.


sexta-feira, 6 de julho de 2012

Um poema

Escrevi esse poema há algum tempo. Tentei traduzir nele todo o fel que reside nas relações amorosas, onde as manifestações dramatizadas e palavras declarativas falam mais alto que o simples elo que se estabelece entre um ser e outro. Ao tempo que eu o escrevi, seus leitores não valorizaram muito o tom irônico, mas enfim, ei-lo:

Intimismo


Se hoje a gente batesse boca
No celular ou ao vivo
Eu resmungando que você não sentiu minha falta
(Eu, esse Werther piegão e moderno)
Você me chamaria pragmatista
Que sempre precisa ouvir um "tô morrendo de saudade"
Exteriorizar sua efusão.

Minha consciência me acusando, você virando a mesa
Maldiria então meu intimismo que não vê na linguagem calada
A sua grande saudade.



quarta-feira, 4 de julho de 2012

Anexo à postagem anterior


 A arte de se estragar uma música...

 Versão original:



The Sound Of Silence                                     O Som do Silêncio (Tradução do Terra)

Hello darkness, my old friend                          Olá escuridão, minha velha amiga 
I've come to talk with you again                      
Vim conversar com você de novo 
Because a vision softly creeping                    
Porque uma visão um deslizandos suavemente 
Left its seeds while I was sleeping                  
Deixou sementes enquanto eu dormia
And the vision that was planted in my brain    E a visão que foi plantada em meu cérebro 
Still remains within the sound of silence          Ainda permanece dentro do som do silêncio 

In restless dreams I walked alone                   Em sonhos agitados eu caminho só 
Narrow streets of cobblestone                        
Em ruas estreitas de paralelepípedos 
'Neath the halo of a street lamp                      S
ob a luz das lampadas da rua 
I turned my collar to the cold and damp        
 Levantei minha lapela para me proteger do frio e umidade 
When my eyes were stabbed                        
Quando meus olhos foram apunhalados    
By the flash of a neon light                             Pelo brilho de uma luz de néon 
That split the night                                        
 Que rachou a noite 
And touched the sound of silence                 
E tocou o som do silêncio 

And in the naked light I saw                            E na luz nua eu vi
Ten thousand people, maybe                         Dez mil pessoas, talvez mais 
People talking without speaking                     
Pessoas conversando sem falar 
People hearing without listening                    
 Pessoas ouvindo sem escutar 
People writing songs                                      
Pessoas escrevendo canções 
That voices never share                                 
Que vozes jamais compartilharam 
And no one dare                                            
E ninguém ousava 
Disturb the sound of silence                          
Perturbar o som do silêncio 

"Fools" said I, "you do not know                     "Tolos" eu disse, "vocês não sabem 
Silence like a cancer grows                           
Silêncio é como um câncer que cresce 
Hear my words that I might teach you            
Ouçam as palavras que eu posso lhes ensinar 
Take my arms that I might reach to you"       
Tomem os braços que eu posso lhes estender"
But my words like silent raindrops fell             Mas minhas palavras caíam como gotas silenciosas de                     
                                                                                                                                                      
chuva              
And echoed in the wells of silence                 E ecoavam no poço do silêncio                                                                                           

And the people bowed and prayed                E as pessoas curvavam-se e rezavam 
To the neon God they made                         
Ao Deus de néon que elas criaram 
And the sign flashed out it's warning            
E o sinal faiscou o seu aviso 
And the words that it was forming                 
Nas palavras que estava formando 
And the sign said                                          
E o sinal dizia, 
"The words of the prophets                          
"As palavras dos profetas 
Are written on the subway walls                    
Estão escritas nas paredes do metrô 
And tenement halls"                                     
E nos corredores das casas" 
And whispered in the sound of silence         
E sussurravam no som  


Agora, a adulterada:


Quanto mais o tempo passa
Mais eu gosto de você
Este seu jeito de me abraçar
Este seu jeito de olhar prá mim
Foi que fez com que
Eu gostasse logo de você
Tanto assim
É por você que canto...
Quanto mais você me abraça
Mais eu quero ter você
Cada beijo que você me dá
Faz meu corpo todo estremecer
Sem você eu sei que
Não teria nenhuma razão
Prá viver
É por você que canto...
Pode tudo transformar
Pode tudo se perder
Pode o mundo virar contra mim
Aconteça seja lá o que for
Cada dia que passar
Eu quero ainda muito mais
Seu amor
É por você que canto...
Quanto mais você me abraça
Mais eu quero ter você
Cada beijo que você me dá
Faz meu corpo todo estremecer
Sem você eu sei que
Não teria nenhuma razão
Prá viver
É por você que canto...
Pode tudo transformar
Pode tudo se perder
Pode o mundo virar contra mim
Aconteça seja lá o que for
Cada dia que passar
Eu quero ainda muito mais
Seu amor
É por você que canto
É por você que canto...

E ainda vão dizer que música é questão de gosto...





















terça-feira, 3 de julho de 2012

A música enquanto arte

  A música é a arte mais idiossincrática (do ponto de vista de quem a desfruta) dentre todas as expressões artísticas que existem. Não há meio termo: ou a pessoa descarta a composição (muitas vezes por causa de sua forma - a melodia), ou a curti. A questão da música (moderna) reside na dicotomia significante/significado.
  Uso esses dois termos porque ilustram melhor a essência do problema. O leitor me permita uma digressão à respeito:
  Os termos significante/significado se disseminaram após as reflexões sobre a língua que o linguista suíço Saussure fizera em seu Curso de Linguística Geral. Em síntese, significante é a forma gráfica que a "coisa" é representada; significado é a "coisa" em si. Assim, o significante "cara" nomeia vulgarmente o rosto humano, como também qualifica algo de custo elevado. Eis dois significados do significante "cara".
  Os termos não são exclusivos da Linguística. Massaud Moisés já os aplicara em sua Análise Literária para refletir a relação estabelecida entre a forma que um texto é escrito e seu conteúdo. Além disso a semiótica peirciana via bem esse aspecto (principalmente na instância dos signos: qualissignos, sinsignos e legissignos), fora a intuição sempre surpreendente dos literatos de épocas passadas, que faziam da relação conteúdo/forma sua linguagem rotineira (leia-se o poema A Valsa, de Casimiro de Abreu, por exemplo).
  Mas o que tem isso a ver com música? 
 A meu ver, a grande questão do ouvinte é se deter na melodia (a forma, o significante), e ignorar plenamente a letra (o significado). Senão, como se explica o sucesso de algo como "Eu quero tchu, eu quero tcha" (além do marketing do Neymar...), uma composição esdrúxula que se apropria, em sua forma, de dois ritmos popularescos, forró e funk, e nelas sustenta todo seu interesse? Não temos testemunhado inúmeros casos de igual natureza no mundo musical? 
 Mas não é apenas essa concentração na forma que dá a dimensão do problema atual. Sim, pois há um problema no mundo artístico da música, como em todas as outras artes, e esse problema reside no fato de que ela, a música, deixou de ser um poderoso estimulante para a mente de quem a ouve, passando a exercitar mais os quadris e pernas que os neurônios desse ouvinte. Esse entorpecimento pela forma, entretanto, já existia na época das músicas de câmara, ou eruditas, e o ouvinte que as desfrutava o fazia silenciosamente, concentrado, dentro da "aura" própria para se ouvir a composição (como bem apontou Walter Benjamin). Ela estimulava sua mente, seu espírito, dentro de sua abstração. 
  Ora, então o que ocorre atualmente? Por que a música já não é uma arte como fora outrora?
 Talvez a resposta esteja nessa mesma "aura" perdida nesses tempos de ipods, mp3 e celulares. Hoje, o ouvinte aprecia uma canção enquanto "twitta" seu dia-a-dia, ou vê um vídeo silencioso no youtube, etc. Em síntese, não há mais o momento propício em que todos os sentidos se voltam à obra sonora, assim como também não há tantos peritos nessa área. A indústria cultural venceu em sua tarefa de empobrecer e tiranizar  os gostos do ouvinte, e este, por sua vez, tem na música a sublimação de seus recalques e taras, valorizando composições torpes e escatológicas, não raro usadas como mediadoras da aceitação social em um grupo ou  para favorecer um flerte.
  Enfim, a música perdeu seu poder transformador e subversivo. Resta agora saber até quanto tempo. 

sábado, 30 de junho de 2012

À propósito do poema de Drummond...

  No post anterior eu citei o soneto Drummondiano Destruição; poema impiedoso que nada contra a maré das ideias correntes desses tempos.
  Posto um soneto meu que vai pelo mesmo caminho (embora não possa dizer que tenha sido influenciado diretamente pelo poeta de Itabira...):

  A paixão não é o mundo. Conceber
  Que da mulher e do homem a porfia
  Seja (de quanto há) o que mais vale ao ser
  É a mais inerte e vã filosofia.


  Nela, teus sonhos hão de perecer
  Quais tuas reflexões, à revelia;
  Morrem a sanidade, o afã, o querer
  E os amigos (se é que os tiveste um dia...).


  Tu mesmo morres, por conta da face
  Que crias para a tua sobrepor
  Permitindo à outrem que teu fado trace.


  Mas eis que também és o matador,
  Pois não evitas que o ardor teu embace
  A imagem turva a que prestas louvor.


  Mais em http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=108112
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sexta-feira, 29 de junho de 2012

A tragicomédia da comunicação entre as pessoas



Cena de O Ano Passado Em Marieband, de Alain Resnais

  Em certa altura da peça Seis Personagens À Procura De Um Autor, de Luigi Pirandello, lê-se essa fala do Pai:

  Mas, se todo o mal está nisto!... Nas palavras. Todos trazemos dentro de nós um mundo de coisas: cada qual tem o seu mundo de coisas! E como podemos entender-nos, senhor, se nas palavras que digo ponho o sentido e o valor das coisas como são dentro de mim, enquanto quem as ouve lhes dá, inevitavelmente, o sentido e o valor que elas têm para ele, no mundo que traz consigo? Pensamos entender-nos... e jamais nos entendemos!

  Cito também esse adágio que é para mim, dentre tantas frases que já li, uma das mais profundas reflexões sobre o ser humano:

  Se nos fosse dado prever todo o mal que pode nascer do bem que pensamos fazer!...

  De fato, creio ser a comunicação entre as pessoas (inevitável, pois o ser humano não pode viver sozinho) talvez nosso problema maior. Essa Babel que existe em nosso ato de comunicar, mesmo que numa igual língua ou dialeto, responde por muitos de nossos dramas e também de nossas comédias comezinhas. 
  Falamos a mesma língua, mas não nós entendemos!
 Vejamos: o leitor se recorda de alguma conversa que tenha tido com alguém que, subitamente, ofendeu-se sem que para isso houvesse motivo (segundo seu ponto de vista...)? A título de ilustração, recentemente entabulei uma conversa via e-mail com um sujeito interessante e poeta de envergadura. A identificação foi imediata. Trocamos uns três e-mails cordiais e efusivos. Mas súbito, eis que o camarada rompe silenciosamente o contato após ler meu último e-mail e eu fico a rastrear o que o teria o ofendido no que disse... confesso, foi um verdadeiro exercício de hermenêutica obscura.
 Mas saindo de minhas mesquinhas misérias, a verdade é que em nossas relações a comunicação, que deveria nos unir, produz o efeito contrário; e como Pirandello nos ensina, isso é fruto dos universos particulares que cultivamos, de nossa mundividência e cultura singulares, e acentua-se ainda mais nesse tempo de egos suscetíveis e melindres descabidos. Estamos presos em nossas questões e deixamos de exercitar aquele dom de "desencarnar" de nossos corpos e nos por no lugar do outro. E se isso é verdade no que toca à amizade e demais relações cordiais, é tanto mais quando se fala em relações amorosas. Não foi por tal motivo que Drummond escreveu:

  Os amantes se amam cruelmente
  E com se amarem tanto não se vêem.
  Um se beija no outro, refletido. 
  Dois amantes que são? Dois inimigos.

  O que seria esse "se beijar no outro, refletido"? Drummond não estaria nos atirando à cara, sarcasticamente (como aliás é de seus feitio), nossa incapacidade de aceitar que uma relação é um choque violento de visões de mundo e culturas? E a linguagem com a qual essa relação é construída? É a linguagem do consenso, do mútuo entendimento, ou é a polissemia dos sentimentos confusos, dos egos em luta?
  Na linguística se fala dos "universais" linguísticos: elementos que se fazem presentes na língua humana, seja em qualquer cultura (o substantivo, por exemplo). A questão é nós, pequenos seres humanos, descobrirmos os "universais sentimentais" ou "reflexões universais", dando às palavras como romance ou verdade um sentido comum, ao menos para podermos realmente conviver.
  Logicamente que o que nos enriquece justamente é o fato de pensarmos e nos expressarmos de forma diferente, mas a cada dia constato que aí também reside o motivo de nossa perpétua distância.
   

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Um adendo ao post anterior

  Escrevi esse soneto muito antes de haver publicado o post anterior. É significativa a relação que os dois textos estabelecem se postos lado a lado...


   Aceita, deste mundo, a solidão
   A que todo ser está destinado;
   Que importa à alguém o que há em teu coração?
   Teus anseios, quem os terá escutado?

   Estarás sempre só na multidão
   Carregando em ti teu EU ignorado
   (Só Deus entende tua imensidão,
   Mas Dele, em teu andar, tens te afastado...);

   Fecha teus olhos (podes fazê-lo ainda)
   E então, explorador, mergulhe fundo
   No obscuro mar onde nada se linda...

   Súb'to verás, no pélago profundo,
   De Cristais mil uma Atlântida infinda:
   Teu refúgio excelso ao opróbrio do mundo.

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terça-feira, 26 de junho de 2012

Sobre o nonsense que envolve esses dias

  Em Memórias do subterrâneo (a tradução - tão criticada - que li foi a das obras completas de Dostoiévski da Nova Aguilar - Natália Nunes e Oscar Mendes) lemos, à certa altura do texto, o seguinte: 

"Em todo o tempo, para cada indivíduo, bastaria a simples consciência humana, isto é, metade, senão a quarta parte daquela que costuma possuir o homem inteligente do nosso infeliz século [século XIX] (...)"

E mais:

  " Conservo a firme convicção de que não só a consciência demasiada constitui uma doença, como de que a consciência, só por si, por pouca que seja, já o é também"

  À propósito, vale lembrar que Dostoiévski era tido por muitos como um "profeta", o "profeta russo". Faço a citação de sua obra e da alcunha anterior para avaliar como suas palavras soam verdadeiras se aplicadas nesse "mais que infeliz" século no qual vivemos. 
 À respeito dos gostos e da vida social que você, leitor eventual, tem, nada posso dizer... mas compartilhamos de iguais veículos de comunicação para observar o mundo.
  A televisão e o mundo da web nos trazem um estranho terreno de inclinações que exige de nós uma postura: aderir ou rejeitar. Não há lugar para meio termo. Se adere, o sujeito se adultera, alienando-se de si mesmo, em troca de... um vazio existencial. Se rejeita, o desconforto será talvez uma carga com a qual não conseguirá lidar...
  E que mundo é esse, o dos veículos eletrônicos? Sexista, ególatra, pseudo-moralístico e preso à superfície de tudo quanto existe. É um mundo que se libera dos recalques que acompanham há muito o ser humano (e com muito mais razão num Brasil pós-anos sessenta), e dão a essa liberação escatológica o nome de "democracia e liberdade de expressão". 
  Se não é a mulher nua e curvilínea que aparece de súbito, inconveniente, diante de nós após um clique de mouse, são as chacotas de gosto duvidoso de programas humorísticos reproduzindo os ditames de uma sociedade que exclui o que não está dentro de seus parâmetros (e esse humor se propala como "subversivo" a essa própria sociedade!). Em torno de simples sites (ou sítios), vinculam-se um sem número  de propagandas a nos fazer refletir se o ser humano necessita mesmo de tanto para viver; e o que dizer dos assombrosos avanços eletrônicos que se por um lado ampliam nossas dimensões (do que este próprio veículo de que me utilizo é um exemplo válido), por outro lado nos tornam egocêntricos e acomodados, em busca da tv que se manuseia pelo controle de voz, ou pela mão/mouse que nos permite (ó dádiva abençoada!) a controlar tudo da posição confortável em que nos encontramos... O interessante é que esse consumo desenfreado responde por nossa angústia de almejar algo que está sempre distante de nós. Direcionamos nossa energia em busca do que não temos (e que, geralmente, não precisamos ter).
  Se você, leitor, opta por nadar contra a corrente, estará destinado a repetir o jargão do Homem do Subterrâneo: "eu sou um, e eles são todos". Não se trata de declarar guerra ao "todos", mas de não encontrar a outra margem com a qual seu espírito irá se relacionar... e isso é angustiante.
  É perigoso, demasiado perigoso, ter uma consciência mínima nesse mundo. Olhar ao redor e ver que muito do que há não faz sentido. E se refugiar nas páginas de um livro, a salvo do resto, não resolve o problema. Isso porque a Literatura existe para incomodar, nos tirar da zona de conforto. Essa é sua principal dádiva, mas também sua maldição...
  Enfim, "dois e dois são quatro" à despeito da vontade do leitor, da minha e da do Homem do Subterrâneo. A quem se revolta contra essa aritmética resta cultivar um mundo alternativo, ainda que inserido neste mundo. O personagem dostoiévskiano trancou-se em seu subterrâneo, longe de tudo o mais...
  Que o leitor e este pequeno blogueiro procurem seu lugar.