domingo, 15 de julho de 2012

Tiririca à frente de Drummond...



  Nos dias de hoje, levar tudo à sério é perigoso. Faz com que uma mente sã surte de vez. Sei que nem deveria levar em conta, mas ontem vi algo que realmente não dá para ignorar.
  A emissora SBT (que prima pelo esforço de não levar nada à sério, nem mesmo a sua grade) vinculou um resultado de pesquisa nacional sobre quem seria o maior brasileiro de todos os tempos. Não havia critério: a questão era saber pelos gostos do telespectador em geral quem eles escolhiam para ocupar tal posto.
  À princípio, observando o estado de coisas em que nosso mundo está mergulhado, era de se surpreender que um poeta como Carlos Drummond de Andrade fosse sequer lembrado. Ele foi lembrado. Mas, para nossa surpresa, Tiririca estava à frente dele no tal ranking: 48º contra 52º. Deus do céu!
  O leitor então me questiona: "e você perde seu tempo assistindo isso? Leva em consideração?". Mas por que não o faria? Aquela pesquisa era aberta à opinião pública. Qualquer que tivesse um computador poderia lá entrar e deixar seu voto. Frise-se: não foi algo condicionado pela emissora. Realmente o povo considera o Tiririca maior brasileiro que Drummond!
  Essa pesquisa revela o zeitgeist do pensamento nacional moderno. Para quem não conhece essa palavra de origem alemã, seria algo como o "espírito da época", o estado intelectual e cultural de um povo num determinado tempo e lugar. É por isso que não são de todo desprezíveis tais pesquisas de opinião. Elas nos ajudam a entender porque o Brasil está nessa paralisia mental que outrora o escritor James Joyce enxergou em seus contemporâneos de Dublim.
   Disse mais acima que tal pesquisa surpreende a todos nós. Surpreenderia a Drummond? É claro que não! Provavelmente ele se surpreenderia do fato de alguém lembrar dele, com um sorriso sarcástico no semblante. Drummond conhecia o país no qual habitava, e isso condicionou sua visão nada animadora das coisas. O leitor duvida dessa presciência?
  Pois vejam com seus olhos:

  Legado

  Que lembrança darei ao país que me deu
  Tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
  Na noite do sem fim, breve o tempo esqueceu
  Minha incerta medalha, e a meu nome se ri.

  E mereço esperar mais do que os outros, eu?
  Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
  Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
  A vagar, taciturno, entre o talvez e o se.

  Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
  Uma voz matinal palpitando na bruma
  E que arranque de alguém seu mais secreto espinho.

  De tudo quanto foi meu passo caprichoso
  Na vida, restará, pois o resto se esfuma,
  Uma pedra que havia em meio do caminho.

  Os itálicos do texto são meus, não do autor. O leitor me perdoe essa minha peraltice...


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