terça-feira, 21 de agosto de 2012

Poema


As lágrimas de sangue insurgirão
(Vidas bastardas de uma semi-vida),
E na pena da face ressequida
Carpem sonhos que se esvaem ao chão.

Meros sonhos, e sonhos sonhos são,
Mas na ígnea queixa à face despedida
Grita triste a essência íntima contida
Que homens não sabem... jamais saberão.

Elegia vazia da existência;
Há um punhal por trás de idealizações,
Vida pulsante bem além da aparência.

Entre maiores, jazem ilusões
E a seca face rubra, em desistência,
Caminha co'os homens, só, entre milhões...

(mais Aqui. Direitos reservados.)

domingo, 19 de agosto de 2012

"Prosa Poética"

  Recentemente li um artigo (encontrável aqui ) que trata sobre o advento da prosa poética (ou o que assim se denomina hoje em dia) na literatura contemporânea. O artigo me fez refletir não sobre a prática de novos escritores (infelizmente o autor não menciona quais o fazem), mas os critérios de se tachar um produto literário de prosa ou poesia, ou hibridamente prosa poética.
  Seria interessante dissecar todo o artigo, ponto a ponto, para seguir as linhas reflexivas do autor Alex, mas me parece que assertivas como "Em poesia os critérios objetivos não existem" ou "poesia é difícil, pelo menos aos que a tentam seriamente, compreendem que frases empilhadas, desconexas e aleatórias, mais que formar um poema, constroem um engodo" não carregam em si grandes explicações. O ponto de maior interesse, e mais polêmico, vem do 6º parágrafo. Aliás, se quiséssemos resumir todo o artigo, esse parágrafo  se prestaria eficazmente à tarefa.
  Nele podemos observar uma espécie de eugenia não-hierárquica dos gêneros (que como o autor acaba por admitir — e parece que à revelia de seu gosto — dissolveu-se junto com critérios "no mundo pós-moderno"). Sim, o fato parece ser lamentado por ele. Essa mistura de gêneros parace resultar apenas em processos improdutivos, cujo principal fim é o de produzir "prosa ruim ou poesia muito ruim". Em suma: prosa poética é um rótulo para encobrir literatura claudicante.
  O maior problema advém do fato de que os critérios estabelecidos por Alex são antes de natureza estética que de "científica", concebendo "estética" aqui como apreciação do leitor, e "científica" como constatação de atributos inerentes de um elemento. 
  Antes de abordar o assunto, convém definir os termos: o que é prosa e o que é poesia? Diante de tais perguntas, o analista mal pode conter sua hesitação. Qualquer definição de poesia claudica por força da natureza do próprio elemento e de uma simples visão diacrônica sobre ele na cultura de vários povos. A prosa também não fica atrás, embora seja "mais simples" (referência ao artigo de Alex). O terreno literário é o terreno das incertezas, e as noções aristotélicas viraram simples parâmetros para entender o que se fez de literário em seu tempo, além de paradigmas destinados a serem superados pelos artistas vindouros. Desde o advento do Romantismo já não é possível mais sustentar a pureza dos gêneros, e essa problemática fica mais evidente quando nos aproximamos de uma definição puramente objetiva (mas certamente não conclusiva, apenas experimental) do que é "poético" e do que é "prosístico".
  Acentuemos certas características do que é poesia: composição que se pauta em versos (ou não), dotados estes de métrica (ou não), rima (ou não) e musicalidade (novamente não, em alguns exemplares concretistas) ; manifesta-se em registros líricos (mas não apenas) com vistas a observar o Eu interior do poeta, do seu semelhante ou o universo que o cerca (além de poder se debruçar em seu próprio "fazer"). O nível sintagmático não é definitivo em sua leitura, e nela podemos encontrar tanto trechos argumentativos como descritivos.
  A prosa: composição que se pauta na concatenação de períodos, orações, frases ou parágrafos onde os verbos são recorrentes (ou não: vide Circuito Fechado, de Ricardo Ramos) para a criação de um mundo ficcional.
  Usemos também da semiótica, embora sem a perícia própria dos pensadores desse campo, para abordar a questão.
  Tanto a prosa quanto a poesia tem grande carga de símbolos. A ordem em que o artista dispõe os elementos na oração (ou frase) podem resguardar significações tão amplas quanto as de um verso. Entretanto, a prosa tende (em minha leitura) a se manifestar preponderantemente na instância da terceiridade, onde a concatenação de ideias cria um fluxo de significados. A poesia, embora se manifeste na instância da primeiridade (mais propriamente o qualissigno), também resguarda, em algumas obras, grande carga de terceiridade (penso nos versos de Caso do Vestido, ou mesmo em alguns trechos de poemas épicos e canções de gesta). Na prosa (como no artigo as reminiscências a Joyce e Rosa fazem bem em lembrar) as fronteiras entre oração e verso se dissolvem. As ruminações intrincadas de Stephen Dedalus no primeiro arco de Ulisses não são mero fluxo de consciência — tentativa de materializar os processos psíquicos de um ser: são também poesia.
   Agiria bem um artista, com vistas a respeitar os preceitos aristotélicos, a evitar certos procedimentos próprios da poesia, se escreve prosa? Penso que não. Respeitar velhos paradigmas não viabiliza novas formas. É preciso lembrar que a poesia passou por metamorfoses, afastando-se do acompanhamento musical que a caracterizava. Numa visão ainda diacrônica, em certo ponto da história (é preciso lembrar que ainda no Trovadorismo a "poesia" era essencialmente oral), prosa e poesia passaram a compartilhar de certos atributos: a poesia também era composta para ser "vista". Sem tal metamorfose, nunca haveria o advento do poema concreto. O tópico do argumento desse parágrafo é que as mudanças são constantes no terreno literário; não seria a "prosa poética" o resultante dessas mudanças?
  A título de ilustrar minha posição, reproduzo abaixo um trecho do conto de Wítalo Lopes Moreira, denominado O Rapaz e a Velha:

  "Não conte que com isto conto. Tudo é matéria nesses chão. E quem há que não tem a sua prosa? A vida é mote, meu senhor. E como diria o sábio ancião: 'Então glosa!'.
  Não me fiz rogado, glosei. E aí vai meu bocado:
  Lá por meio desses mato, escondido atrás do morro - só mato e morro - é que morava senhor novo, marrudo, troncudo e calado. Vivia lá no seu pedaço quadrado de terra, tinha casa de barro amassado, teiado de palha, e, credite que sim, uma velha.
  Er'os dois só nesta vida: sofrida a danada na raia e o maldito da carpina. Cada qua'o fado exalava: a velha: fumaça de lenha do fogão estorricado - com aroma de feijão. O rapaz: suor azedo de mato com folha de laranjeira.
  Mal eu não visse naquele vivêsse todo, mas contece que num disse que... direi tardamente.
  Cuspo já, não somente, que os dois era parente. Se filh'ou mãe, tia, sobrinho, neto ou avó? Lhufas! E nem cabe cá fuxiquice. Cuidemu'apenas do caso. Se acaso não é de descaso...

  No trecho acima estamos diante sem dúvida de um texto em prosa: predominância da narrativa alternada entre comentários do narrador e descrição, orações que se relacionam logicamente, etc. No entanto, temos também elementos próprios da poesia: rimas internas (deveríamos chamar de "ecos"?) que se unem ao ritmo frasal — recurso que os manuais de boa escrita e gramáticas prescritivas deplorariam; relações lúdicas entre palavras que incluem uma semântica movediça ('só mato e morro", "fado", "a vida é mote, meu senhor") e polissemia.
  A despeito da evidente influência rosiana, cabe perguntar: o hibridismo de formas produziu aqui uma "prosa ou poesia ruim"? Não nesse caso, se o leitor me permiti opinar. O autor do trecho mergulha sem hesitações nos recursos rítmicos e sonoros próprios da poesia. Sempre considerei estéril o culto ao ritmo na prosa. Por força de seguir as cadências que o autor impõe, dispersamo-nos do conteúdo ficcional bem como das relações lógicas das orações, porém aqui o recurso se justifica plenamente pela relação da forma (ritmo da prosa) com o conteúdo (ritmo oral inerente à fala do interiorano).

  Como já mencionei neste post, o terreno literário é o das mudanças constantes, e não por força unicamente de vanguardas. Todo grande artista reinventa as fórmulas com as quais trabalha. A distinção a ser criada então é a de quem opera as mudanças de forma funcional, sem alardear "uma erudição que não possui", ou tampouco se entregando à exercícios estéreis, mas buscando alcançar o nível de precisão mais alto com a lente que optou por utilizar, mesmo que está mescle diferentes graus.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O poeta do gueto


(foto: divulgação)

Nas cidades, subúrbios, ruas e becos
O Poeta do Gueto encontra matéria bruta para sua poesia
O Poeta do Gueto caminha normalmente dissimulando sua errante poesia
E cada esquina uma parada diferente
Os bares, as casas, as favelas, tudo sussurra o seu nome
O Poeta do Gueto senta em qualquer sarjeta de qualquer lugar
E observa...
Nas crianças
Nos velhos, jovens, fábricas, carros, concreto...
Em tudo ele escuta uma sinfonia uniforme e dissonante
E, como Orfeu, ele sabe que seu trabalho é dar-lhe Ordem, Forma
Porque apesar de uniforme, é a sinfonia do caos
Nos garotos sussurrando, incógnitos
Nos bares e seus pândegos
Nas janelas, os choros sentidos
Nos mendigos entoando pedidos
Nos vapores cinzas adjacentes
Em tudo o Poeta do Gueto encontra inspiração
Sua musa na esquina ou dentro das quatro paredes da libido
Sua pena está em seus olhos
E o papel já não dá mais...
O Poeta do Gueto em seu corpo de dezoito segue essa sua epopéia
E continuará a ser tentado pela sinfonia
Que já o acolheu na escala melódica.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A (des)comunicação pela internet

  O advento da internet (e o acesso generalizado mediante banda larga) criou uma nova modalidade de comunicação mediada, e consequentemente uma nova cultura. Esse tipo de comunicação não é exclusividade da internet: muito antes, o telefone já se interpunha entre locutor e interlocutor. Mas, frise-se, nunca da maneira que a internet engendraria.
  Em tempos passados, o telefone era usado com frequência, mas não elidia o contato direto, físico e visual, com a pessoa. Isso já não ocorre com a internet. Com o surgimento de vários suportes de relacionamento on line, tais como messenger, orkut, chats de bate-papo e, mais em voga ultimamente, o Facebook, as pessoas pararam de se encontrar, e de usufruir dos benefícios que essa modalidade de comunicação tem a oferecer.
  Por um lado, isso poderia gerar um otimismo para aqueles que enxergam nos tempos atuais uma relação escassa com a língua escrita. Afinal, já que o brasileiro em geral não tem muita estima pela leitura, a internet propiciaria ao menos um contato e interação maior com essa leitura. No entanto, o que se observa é que nossa costumeira frivolidade já foi assimilada pelo mundo seminal da web.
  Exemplos não faltam: no orkut e Facebook proliferam usuários cuja principal preocupação é a de ostentar sua gama extremamente extensa de amizades e relações sociais. As fotos que postam dos lugares mais exóticos e badalados revelam uma necessidade de se expor, como a dizer que sua vida não está tomada pela anemia existencial que grassa na da maioria das pessoas e (por que não?) na de seus seguidores. Há toda uma superficialidade nisso, uma vez que muitas vezes uma pessoa assim tão relacionada mal tem contato com essas mesmas pessoas de seu círculo e, quando esse contato ocorre, a comunicação é rasteira, sem qualquer relevância ou profundidade.
  O blog é outro veículo (ou gênero textual?) que está saturado dessa mesma frivolidade. Pela blogosfera dissemina-se a prática de comunicação pelo interesse: blogueiros acessam blogs alheios comentando elogiosamente os posts para, ato contínuo, pedirem para que o autor os visite em sua página. Isso sem falar que o diálogo inexiste, ou seja: o autor do post não se dá o trabalho de debater com seu visitante eventualmente consistente as ideias que este acrescenta ao texto. Das duas uma: quando o visitante não é superficial, o autor do blog é, interessado apenas em audiência para seu veículo de monólogo narcisista.
  Em todos esses veículos, inclusive, o diálogo (ou texto) que se estende muito não é visto com bons olhos. O leitor hodierno é avesso a uma leitura mais profunda que exige mais, um argumento que se alonga em prol da plenitude. Daí que a internet não auxilia nos índices de leitura relevante, embora possa aumentar sim o letramento do seu usuário, no sentido de expô-lo a um maior número de gêneros textuais. Contradição? Não vejo dessa forma. O leitor pode muito bem discernir uma receita de um tweet, mas isso não o capacita a ler um conto ou uma poesia, assimilando suas mensagens essenciais sem as quais a vida sempre será mais pobre.
  O que o futuro da comunicação mediada reserva às relações humanas? Será possível que o contato com o outro seja totalmente elidido, em benefício do que se processa on line? O leitor futuro estará fadado a incapacidade e compreensão profunda do que lê? A tendência da comunicação mediada desumanizará progressivamente o ser humano?

terça-feira, 17 de julho de 2012

A sacola




Folhas decaídas, a vida ao marrom abatido,
Beleza, renascida a fotossíntese...
Carícia do vento e o afago das coisas
Que nunca foram, em olhos anistiados.

No beco adiante do serviço, à tarde
Lembrar... eu tenho que lembrar...

A sacola no beco, dançando comigo
Uma valsa no silêncio de incontida existência
Um doce sabor de melodia entardecida...
Essa sacola, a dançar comigo...

Brevemente a nota se acentua
A sacola do hipermercado traceja, ascendente
A encantadora expectativa, o ápice da melodia
O paroxismo violento da vida...
Desaba.

A sacola segue, telúrica, entre as folhas
A ritmia insurge no bairro vazio
Ao longe carros passam, sempre passarão
No marrom agoniza o sol do feriado
Tecido, entre nós, o fio do cotidiano...

Em meio as pobres casas, o onipresente asfalto e os postes sentinelas
Eu, o sol, o vento, as folhas...
Eles concretos, nós infimamente concretos
Mas passaremos
Como os carros
As nuvens
Lembrar... eu preciso lembrar...

Porém a sacola do hipermercado, no beco, entre as folhas
Valsa, nem rebelde, nem passiva
Valsa perante meus olhos tão inválidos
E me fará lembrar...

Ah! Às vezes também sinto...
Mundo que vela a vida por trás das coisas
Toda essa beleza-algoz que me sufoca
E coisas que não vi, a ameaçar o fio tão rijamente tecido
Como não ameaçamos;
Às vezes... às vezes...

Como essa sacola cortejando as folhas
Nessa valsa de notas ascendentes,
A tracejar no ar a graciosa melodia do silêncio
E no silêncio, telúrica, com a vida em seu interior
Suavemente
Cai.

        Direitos reservado.

domingo, 15 de julho de 2012

Tiririca à frente de Drummond...



  Nos dias de hoje, levar tudo à sério é perigoso. Faz com que uma mente sã surte de vez. Sei que nem deveria levar em conta, mas ontem vi algo que realmente não dá para ignorar.
  A emissora SBT (que prima pelo esforço de não levar nada à sério, nem mesmo a sua grade) vinculou um resultado de pesquisa nacional sobre quem seria o maior brasileiro de todos os tempos. Não havia critério: a questão era saber pelos gostos do telespectador em geral quem eles escolhiam para ocupar tal posto.
  À princípio, observando o estado de coisas em que nosso mundo está mergulhado, era de se surpreender que um poeta como Carlos Drummond de Andrade fosse sequer lembrado. Ele foi lembrado. Mas, para nossa surpresa, Tiririca estava à frente dele no tal ranking: 48º contra 52º. Deus do céu!
  O leitor então me questiona: "e você perde seu tempo assistindo isso? Leva em consideração?". Mas por que não o faria? Aquela pesquisa era aberta à opinião pública. Qualquer que tivesse um computador poderia lá entrar e deixar seu voto. Frise-se: não foi algo condicionado pela emissora. Realmente o povo considera o Tiririca maior brasileiro que Drummond!
  Essa pesquisa revela o zeitgeist do pensamento nacional moderno. Para quem não conhece essa palavra de origem alemã, seria algo como o "espírito da época", o estado intelectual e cultural de um povo num determinado tempo e lugar. É por isso que não são de todo desprezíveis tais pesquisas de opinião. Elas nos ajudam a entender porque o Brasil está nessa paralisia mental que outrora o escritor James Joyce enxergou em seus contemporâneos de Dublim.
   Disse mais acima que tal pesquisa surpreende a todos nós. Surpreenderia a Drummond? É claro que não! Provavelmente ele se surpreenderia do fato de alguém lembrar dele, com um sorriso sarcástico no semblante. Drummond conhecia o país no qual habitava, e isso condicionou sua visão nada animadora das coisas. O leitor duvida dessa presciência?
  Pois vejam com seus olhos:

  Legado

  Que lembrança darei ao país que me deu
  Tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
  Na noite do sem fim, breve o tempo esqueceu
  Minha incerta medalha, e a meu nome se ri.

  E mereço esperar mais do que os outros, eu?
  Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
  Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
  A vagar, taciturno, entre o talvez e o se.

  Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
  Uma voz matinal palpitando na bruma
  E que arranque de alguém seu mais secreto espinho.

  De tudo quanto foi meu passo caprichoso
  Na vida, restará, pois o resto se esfuma,
  Uma pedra que havia em meio do caminho.

  Os itálicos do texto são meus, não do autor. O leitor me perdoe essa minha peraltice...