sexta-feira, 27 de julho de 2012

A (des)comunicação pela internet

  O advento da internet (e o acesso generalizado mediante banda larga) criou uma nova modalidade de comunicação mediada, e consequentemente uma nova cultura. Esse tipo de comunicação não é exclusividade da internet: muito antes, o telefone já se interpunha entre locutor e interlocutor. Mas, frise-se, nunca da maneira que a internet engendraria.
  Em tempos passados, o telefone era usado com frequência, mas não elidia o contato direto, físico e visual, com a pessoa. Isso já não ocorre com a internet. Com o surgimento de vários suportes de relacionamento on line, tais como messenger, orkut, chats de bate-papo e, mais em voga ultimamente, o Facebook, as pessoas pararam de se encontrar, e de usufruir dos benefícios que essa modalidade de comunicação tem a oferecer.
  Por um lado, isso poderia gerar um otimismo para aqueles que enxergam nos tempos atuais uma relação escassa com a língua escrita. Afinal, já que o brasileiro em geral não tem muita estima pela leitura, a internet propiciaria ao menos um contato e interação maior com essa leitura. No entanto, o que se observa é que nossa costumeira frivolidade já foi assimilada pelo mundo seminal da web.
  Exemplos não faltam: no orkut e Facebook proliferam usuários cuja principal preocupação é a de ostentar sua gama extremamente extensa de amizades e relações sociais. As fotos que postam dos lugares mais exóticos e badalados revelam uma necessidade de se expor, como a dizer que sua vida não está tomada pela anemia existencial que grassa na da maioria das pessoas e (por que não?) na de seus seguidores. Há toda uma superficialidade nisso, uma vez que muitas vezes uma pessoa assim tão relacionada mal tem contato com essas mesmas pessoas de seu círculo e, quando esse contato ocorre, a comunicação é rasteira, sem qualquer relevância ou profundidade.
  O blog é outro veículo (ou gênero textual?) que está saturado dessa mesma frivolidade. Pela blogosfera dissemina-se a prática de comunicação pelo interesse: blogueiros acessam blogs alheios comentando elogiosamente os posts para, ato contínuo, pedirem para que o autor os visite em sua página. Isso sem falar que o diálogo inexiste, ou seja: o autor do post não se dá o trabalho de debater com seu visitante eventualmente consistente as ideias que este acrescenta ao texto. Das duas uma: quando o visitante não é superficial, o autor do blog é, interessado apenas em audiência para seu veículo de monólogo narcisista.
  Em todos esses veículos, inclusive, o diálogo (ou texto) que se estende muito não é visto com bons olhos. O leitor hodierno é avesso a uma leitura mais profunda que exige mais, um argumento que se alonga em prol da plenitude. Daí que a internet não auxilia nos índices de leitura relevante, embora possa aumentar sim o letramento do seu usuário, no sentido de expô-lo a um maior número de gêneros textuais. Contradição? Não vejo dessa forma. O leitor pode muito bem discernir uma receita de um tweet, mas isso não o capacita a ler um conto ou uma poesia, assimilando suas mensagens essenciais sem as quais a vida sempre será mais pobre.
  O que o futuro da comunicação mediada reserva às relações humanas? Será possível que o contato com o outro seja totalmente elidido, em benefício do que se processa on line? O leitor futuro estará fadado a incapacidade e compreensão profunda do que lê? A tendência da comunicação mediada desumanizará progressivamente o ser humano?

terça-feira, 17 de julho de 2012

A sacola




Folhas decaídas, a vida ao marrom abatido,
Beleza, renascida a fotossíntese...
Carícia do vento e o afago das coisas
Que nunca foram, em olhos anistiados.

No beco adiante do serviço, à tarde
Lembrar... eu tenho que lembrar...

A sacola no beco, dançando comigo
Uma valsa no silêncio de incontida existência
Um doce sabor de melodia entardecida...
Essa sacola, a dançar comigo...

Brevemente a nota se acentua
A sacola do hipermercado traceja, ascendente
A encantadora expectativa, o ápice da melodia
O paroxismo violento da vida...
Desaba.

A sacola segue, telúrica, entre as folhas
A ritmia insurge no bairro vazio
Ao longe carros passam, sempre passarão
No marrom agoniza o sol do feriado
Tecido, entre nós, o fio do cotidiano...

Em meio as pobres casas, o onipresente asfalto e os postes sentinelas
Eu, o sol, o vento, as folhas...
Eles concretos, nós infimamente concretos
Mas passaremos
Como os carros
As nuvens
Lembrar... eu preciso lembrar...

Porém a sacola do hipermercado, no beco, entre as folhas
Valsa, nem rebelde, nem passiva
Valsa perante meus olhos tão inválidos
E me fará lembrar...

Ah! Às vezes também sinto...
Mundo que vela a vida por trás das coisas
Toda essa beleza-algoz que me sufoca
E coisas que não vi, a ameaçar o fio tão rijamente tecido
Como não ameaçamos;
Às vezes... às vezes...

Como essa sacola cortejando as folhas
Nessa valsa de notas ascendentes,
A tracejar no ar a graciosa melodia do silêncio
E no silêncio, telúrica, com a vida em seu interior
Suavemente
Cai.

        Direitos reservado.

domingo, 15 de julho de 2012

Tiririca à frente de Drummond...



  Nos dias de hoje, levar tudo à sério é perigoso. Faz com que uma mente sã surte de vez. Sei que nem deveria levar em conta, mas ontem vi algo que realmente não dá para ignorar.
  A emissora SBT (que prima pelo esforço de não levar nada à sério, nem mesmo a sua grade) vinculou um resultado de pesquisa nacional sobre quem seria o maior brasileiro de todos os tempos. Não havia critério: a questão era saber pelos gostos do telespectador em geral quem eles escolhiam para ocupar tal posto.
  À princípio, observando o estado de coisas em que nosso mundo está mergulhado, era de se surpreender que um poeta como Carlos Drummond de Andrade fosse sequer lembrado. Ele foi lembrado. Mas, para nossa surpresa, Tiririca estava à frente dele no tal ranking: 48º contra 52º. Deus do céu!
  O leitor então me questiona: "e você perde seu tempo assistindo isso? Leva em consideração?". Mas por que não o faria? Aquela pesquisa era aberta à opinião pública. Qualquer que tivesse um computador poderia lá entrar e deixar seu voto. Frise-se: não foi algo condicionado pela emissora. Realmente o povo considera o Tiririca maior brasileiro que Drummond!
  Essa pesquisa revela o zeitgeist do pensamento nacional moderno. Para quem não conhece essa palavra de origem alemã, seria algo como o "espírito da época", o estado intelectual e cultural de um povo num determinado tempo e lugar. É por isso que não são de todo desprezíveis tais pesquisas de opinião. Elas nos ajudam a entender porque o Brasil está nessa paralisia mental que outrora o escritor James Joyce enxergou em seus contemporâneos de Dublim.
   Disse mais acima que tal pesquisa surpreende a todos nós. Surpreenderia a Drummond? É claro que não! Provavelmente ele se surpreenderia do fato de alguém lembrar dele, com um sorriso sarcástico no semblante. Drummond conhecia o país no qual habitava, e isso condicionou sua visão nada animadora das coisas. O leitor duvida dessa presciência?
  Pois vejam com seus olhos:

  Legado

  Que lembrança darei ao país que me deu
  Tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
  Na noite do sem fim, breve o tempo esqueceu
  Minha incerta medalha, e a meu nome se ri.

  E mereço esperar mais do que os outros, eu?
  Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
  Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
  A vagar, taciturno, entre o talvez e o se.

  Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
  Uma voz matinal palpitando na bruma
  E que arranque de alguém seu mais secreto espinho.

  De tudo quanto foi meu passo caprichoso
  Na vida, restará, pois o resto se esfuma,
  Uma pedra que havia em meio do caminho.

  Os itálicos do texto são meus, não do autor. O leitor me perdoe essa minha peraltice...


sábado, 14 de julho de 2012

Para quando tudo ao redor parecer não fazer sentido...



Ó meu eu! Ó vida!


Ó meu eu! Ó vida! Das questões que sobre essas são recorrentes,
Dos trens infinitos dos que não têm fé, das cidades cheias de tolos,
Ó eu mesmo para sempre censurando a mim mesmo (pois quem é mas tolo do que eu e quem é mais sem fé?                                                                                                                                                         
De olhos que em vão suplicam pela luz, do meio dos objetos, das lutas sempre renovadas,
Dos pobres resultados de tudo, das laboriosas e sórdidas multidões que vejo em minha volta,
Dos vazios e inúteis anos dos demais, sendo que também faço parte dos demais,
A questão, ó meu eu, tão triste, recorrente - O que há de bom em meio a tudo isso? O meu eu, ó vida?

Resposta     

Que estás aqui - que a vida existe e a identidade,
Que a poderosa peça continua e tu podes contribuir com um verso.
Walt Whitman (tradução de Luciano Alves Meira)   

O me! O life!

Oh me! Oh life! of the questions of these recurring,
Of the endless trains of the faithless, of cities fill’d with the foolish,
Of myself forever reproaching myself, (for who more foolish than I, and who more faithless?)
Of eyes that vainly crave the light, of the objects mean, of the struggle ever renew’d,
Of the poor results of all, of the plodding and sordid crowds I see around me,
Of the empty and useless years of the rest, with the rest me intertwined,
The question, O me! so sad, recurring—What good amid these, O me, O life?

Answer.

That you are here—that life exists and identity,
That the powerful play goes on, and you may contribute a verse.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Poema escrito na palma da mão


Assumir a existência...
Calando, nós vivemos
E hesitamos
Aqui, não posso traduzir o agora
A palma de minha mão é o mundo.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Reflexões sobre A Moreninha




Nessas férias escolares (as quais me dizem respeito particularmente, uma vez que leciono no estado), decidi por minhas leituras em dia. Mais importante que isso: decidi escrever pequenas notas dos livros que planejava ler, projeto que já havia determinado sem contudo  haver cumprido. E para minha primeira leitura, tive que me livrar de um velho cacoete: o de ler apenas livros literários de envergadura.
  É vergonhoso admitir, mas protelei muito ler livros cujo conhecimento era obrigação. Durante muito tempo, li apenas livros que me acrescentavam algo enquanto escritor e esteta. Ignorei as leituras obrigatórios de nossa literatura.
  Eis então que empreendo a primeira leitura: A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo.
  Primeiramente, uma constatação: o livro não era exatamente o que eu pensava. Já tarimbado pela experiência do Amor de Perdição, esperava um livro lacrimoso e dramático. Qual não foi minha surpresa quando dei, logo de cara, com uma narrativa burlesca sobre a vida de estudantes de medicina? Estudantes estes que, além de troçarem uns com os outros, propõem-se uma aposta à respeito do mais inconstante e pretensamente leviano deles (e o herói da estória), o estudante Augusto: se ele cair de amores por uma das garotas que habitam a Ilha de..., lar da família de seu amigo Filipe,  terá que escrever um romance celebrando o fato.
  Não vou me deter muito na estória, mas apenas em minhas impressões. Resumos são acessíveis: basta um clique no google (termo já muito conhecido por nossos estudantes atuais). O que cabe são as impressões, e as tive, tanto positivas quanto negativas.
  A Moreninha é um livro previsível. Logo de cara, sabemos que Augusto perderá a aposta (a escola literária já nos concede esta certeza); a certeza inclusive aumenta quando conhecemos sua história juvenil, contada à sua anfitriã, Dª Ana, sobre um elo sentimental estabelecido com uma garota. A vida trata de separar esses dois amantes, para no fim uni-los na revelação final de que a moreninha é sua amada perdida. E nessa toada, percebemos que estamos lendo um livro leve, mais destinado a entreter que a refletir.
  O livro se constitui de personagens um tanto rasos no aspecto psicológico. Mesmo o personagem principal se recente de algumas contradições, pois é difícil aliar sua superficialidade atual de "amante desiludido" com a constância e amor pregressos. Carolina, a moreninha do título, é a que mais tem contornos definidos, no entanto os maneirismos do Romantismo (do pobre romantismo, frise-se) acabam por prejudicá-la, pois aceitamos que ela queira libertar seu amado da frivolidade agindo como age com ele, mas não entendemos por que retarda tanto a revelação final. Certamente o faz para proporcionar ao leitor de folhetins aquela emoção calculada, clichê que persiste ainda hoje nas "modernas" telenovelas.
  O que mantêm o interesse do livro é seu leve acento cômico (que por vezes resvala em mal gosto). Sorrimos diante das figuras dos "velhos maçantes", sempre tripudiados quando postos em comparação com os belos e românticos jovens; do alemão beberão; da criadagem ladina ou simplória (observe-se os "crioulos" que aparecem no texto, e como são tratados). Menção honrosa seja feita aos diálogos espirituosos, às cantadas elaboradas, à linguagem que oscila sempre entre o elegante e o popular da época. Pena que todas essas qualidades estejam à serviço de um veículo pobre em suas intenções, estas não muito diferentes de novelas atuais que abundam na televisão. É difícil convencer o aluno de que a literatura lhe revela uma realidade que não enxergaria sem ela, usando como material de apoio um romance como A Moreninha.
  Aprendi com meu mestre literário Proust que a literatura exerce a função de um instrumento óptico que amplia aquilo que mal enxergaríamos em nós (e no mundo) sem ela. Esse adágio proustiano me ajuda inclusive a separar a grande da pequena literatura, uma vez que ela é produzida para incomodar, tirar o leitor de sua cômoda perspectiva.
  É essa bússola do grande escritor francês que me faz constatar que A Moreninha, um simples romance de costumes, faz parte da pequena literatura, mais de valor histórico que estético, ainda sim uma leitura interessante e agradável, justamente por seus atributos.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Um singelo poema

  Uma reminiscência proustiana a quem, nesse limbo infinito e diluidor da web, procura algum verso:

Eu, sempre ao passar por esta calçada
Um pouco antes de casa, na avenida,
Começo a saltitar, vou em corrida
Com uma sensação desnorteada.

"Meu Deus! Que é isso?", penso, "Não há nada
Me apressando ou qualquer coisa esquecida",
E a alegria captada e obscurecida
Mais de mim toma conta, e faz morada.

Mas sei... todos os dias neste trecho
Volto a ser o menino que antes fui,
Que aqui deixou seu mundo, e ora o meu deixo.

Eu sei... é sua vida que em mim flui,
Como a minha, ó pequeno, futuro eixo
De outra vida que aqui já se conclui.